TSE julga criar tipo legal do abuso de poder religioso, e igrejas são contra
Líderes evangélicos e a bancada de deputados e senadores escolheram uma prioridade para a volta do recesso do Judiciário em agosto: impedir o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de criar a figura jurídica do “abuso de poder religioso” para regular a influência das igrejas durante as campanhas. Hoje, a legislação brasileira prevê apenas os crimes de abuso de poder político e econômico como instrumentos para a perda de mandato.
O julgamento da tese começou no TSE no fim de junho e deve ser concluído no mês que vem. O ministro Edson Fachin apresentou a proposta durante a análise do caso da pastora Valdirene Tavares, que se reuniu, em 2016, com outros pastores em um templo da Assembleia de Deus para pedir votos. Ela foi candidata à Câmara Municipal de Luziânia, cidade goiana no entorno de Brasília.
Fachin considerou que, naquele caso específico, não havia motivo para a cassação do mandato. No entanto, sugeriu uma proposta que permitisse a investigação e a cassação de políticos por abuso de poder religioso a partir da próxima eleição, adiada há duas semanas para novembro, por causa da pandemia de coronavírus.
“A imposição de limites às atividades eclesiásticas representa uma medida necessária à proteção da liberdade de voto e da própria legitimidade do processo eleitoral, dada a ascendência incorporada pelos expoentes das igrejas em setores específicos da comunidade”, escreveu Fachin.
O caso vem mobilizando o segmento evangélico, que considera genéricos os conceitos apresentados por Fachin. Em carta conjunta, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) e a Frente Parlamentar Evangélica (FPE) lembraram que a legislação atual já coíbe três itens: o financiamento de campanha por meio de instituição religiosa, a propaganda política nos templos e o uso indevido de meios de comunicação social para pedir votos.
Nos últimos anos, contudo, boa parte das ações de fiscalização de Tribunais Regionais Eleitorais pelo país que atacam os itens citados pela Anajure e pela FPE terminaram apenas em multas baixas ou mesmo com o arquivamento dos casos. O Rio, por ser berço de várias denominações pentecostais — justamente as que mais se mobilizam para a atividade política —, concentra boa parte dos casos.
Durante a campanha de 2018, por exemplo, quatro denúncias foram feitas ao TRE do Rio sobre suposta campanha que o pastor Josué Valandro Jr., da igreja Batista Atitude, teria feito para o então candidato e hoje presidente Jair Bolsonaro. Os episódios foram arquivados. No mesmo ano, foram encontrados em igrejas de Macaé material de campanha dos candidatos Francisco Floriano e Milton Rangel, ligados ao Apóstolo Valdemiro Santiago, da igreja Mundial do Poder de Deus, mas ambos puderam continuar na disputa. Nas eleições para governador, em 2014, e para prefeito, em 2016, o TRE-RJ encontrou material de campanha de Marcelo Crivella (Republicanos) dentro ou nas imediações da igreja Universal do Reino de Deus. Todos os citados negaram, à época, quaisquer irregularidades.
O julgamento no TSE foi interrompido porque o ministro Tarcísio Vieira pediu vista para estudar melhor o tema. Ele prometeu aos colegas devolver o processo ao plenário em agosto. Até então, apenas o ministro Alexandre de Moraes havia se posicionado contra a proposta feita por Fachin:
— Não se pode transformar religiões em movimentos absolutamente neutros sem participação política e sem legítimos interesses políticos na defesa de seus interesses, assim como os demais grupos que atuam nas eleições.
Pressão nas redes
Segundo o pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, a bancada ligada às igrejas vai investir em duas frentes no segundo semestre para bloquear a ideia: encontros com ministros do TSE (já está marcada uma conversa com Fachin em agosto) e pressão nas redes sociais contra a proposta.
Esse tipo de ação coordenada dos evangélicos na internet costuma fazer efeito. Na semana passada, foi graças a uma campanha nas redes pela desistência da escolha do economista Renato Feder para o Ministério da Educação que a ideia foi abandonada pelo presidente Jair Bolsonaro. Dias depois, embora a bancada e o governo neguem influência, o pastor Milton Ribeiro foi o escolhido para comandar a pasta.
— Por que criar apenas o abuso de poder religioso? Por que não criam o abuso de poder sindical? Ou o abuso do poder do magistério? É mais uma perseguição contra as igrejas só por causa da força que mostramos com Bolsonaro — diz Malafaia, lembrando pesquisas que mostram o apoio de cerca de 70% dos evangélicos ao presidente.
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