Nova fase da Lava-Jato mira auditores e analistas da Receita Federal. 14 presos
Agentes da Polícia Federal e do Ministério Público Federal (MPF) cumprem 14 mandados de prisão nesta quarta-feira contra auditores e analistas da Receita Federal. No total, são nove prisões preventivas e cinco temporárias. O principal alvo é o auditor Marco Aurelio Canal, supervisor de programação da Receita na Lava-Jato do Rio.
Em três anos de Lava-Jato no Rio, os investigadores não haviam visto ousadia parecida. O enriquecimento ilícito de réus da Lava-Jato, revelado pelas operações iniciadas em 2016, serviu de matéria-prima para um esquema de extorsão praticado por auditores fiscais da Receita Federal.
O grupo usava peças de inquéritos e de processos, principalmente as que tratavam de acúmulo de patrimônio ou de movimentação financeira do envolvido, para cobrar propina da vítima em troca do cancelamento de multas milionárias por sonegação fiscal. A operação de hoje tem nove alvos de mandado de prisão preventiva e cinco de temporária.
Para frear a ousadia dos fiscais, outra ousadia. Com a autorização da Justiça, a força-tarefa da Lava Jato recorreu à chamada “ação controlada”: atrasou propositalmente a prisão em flagrante para registrar todas as etapas do golpe, da abordagem inicial ao depósito de propina em banco português.
O esquema foi descoberto pelo Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro depois que um dos colaboradores da força-tarefa, o empresário Ricardo Siqueira Rodrigues, contou que foi procurado pelo grupo de auditores fiscais. De acordo com as investigações, eles eram liderados por Marco Aurélio da Silva Canal, supervisor nacional da Equipe Especial de Programação da Lava-Jato, criada pela Receita para restituir aos cofres públicos os valores sonegados pelos acusados.
De acordo com as investigações, eles exigiram propina para arquivar as ações fiscais abertas contra Ricardo, cuja suposta multa apurada era de milhões. Esta investida dos fiscais ocorreu depois da “Operação Rizoma”, que levou o empresário à prisão em 12 de abril do ano passado. Ricardo era tido pelos investigadores como o maior operador de fundos de pensão no país.
Os fiscais, contudo, não imaginavam que, na mesma época em que assediaram o empresário, Ricardo estava fazendo delação premiada. Ciente da tentativa de extorsão, o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, autorizou a Delegacia de Repressão a Corrupção e Crimes Financeiros (Delecor), da Polícia Federal no Rio de Janeiro, a fazer três ações controladas, como monitoramento velado das negociações com os auditores. Parte da propina, estimada em 50 mil euros (R$ 225 mil), foi depositada por Ricardo em conta indicada pelo grupo na conta de Marcial Pereira de Souza em banco português.
As negociações para o pagamento da propina, conduzida pelo analista Marcial, foram, gravadas secretamente pela Polícia Federal no escritório de Ricardo no Leblon. Os agentes também gravaram encontros suspeitos de Canal em restaurante da Barra da Tijuca. A investigação envolveu também vídeos das reuniões, interceptações telefônica e telemática e comprovantes de transferências internacionais em dinheiro. O trabalho contou com o apoio da Corregedoria da Receita Federal. O MPF apurou ainda que os alvos da extorsão não se limitavam a investigados na Lava-Jato.
O alvo principal da operação de hoje é o auditor fiscal Marco Aurélio da Silva Canal, de 48 anos, supervisor nacional da Equipe Especial de Programação da Lava-Jato. Apontado como chefe do esquema, ele já foi citado nominalmente pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), durante uma entrevista como a pessoa que “coordenou a operação” em que seus dados e de sua mulher, Guiomar Feitosa, foram acessados. Em fevereiro deste ano, a Receita Federal negou que o ministro e Guiomar estivessem sendo investigados pelo órgão.
– Eu sei que houve abuso por parte da Receita, e a Receita sabe que houve abuso nesse caso. Mas, tenho curiosidade de saber quem mandou a Receita fazer (a investigação). O que se sabe é que quem coordenou essa operação é um sujeito de nome Marco Aurélio da Silva Canal, que é chefe de programação da Lava-Jato do Rio de Janeiro. Portanto, isso explica um pouco esse tipo de operação e o baixo nível. Às vezes, querem atingir fazendo esse tipo de coisa. Estão incomodados com o quê? Com algum habeas corpus que eu tenha concedido na Lava-Jato? – afirmou o ministro em entrevista no mês de junho à GloboNews em que cita Marco Aurélio.
Quando Gilmar deu as declarações citando vínculo entre Marco Aurélio e a força-tarefa da Lava-Jato no Rio, o auditor fiscal já era investigado pelos próprios procuradores do grupo, que nada podiam falar para rebater a afirmação do ministro. Marco Aurélio foi um dos servidores da Receita que movimentou o dossiê sobre Gilmar. Foi assim que o ministro Alexandre de Moraes se referiu a ele no documento em que determina o depoimento de seis auditores fiscais, entre eles, o próprio Marco Aurélio.
Pelo menos um dos dossiês elaborados pela equipe de auditores que investigou o Gilmar e outros 133 agentes públicos foi enviado para Marco Aurélio, como informa documentos enviados à Procuradoria-Geral da República pela própria Receita Federal. A PGR questionou o órgão sobre a fiscalização feita sobre o ministro bem como a divulgação ilegal de seus dados na imprensa.
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